sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Falar sem saber...

por Carlos M. Horcades

O mundo dos tipólogos, tipógrafos,calígrafos, entusiastas, estudiosos, enfim, a comunidade da letra, volta e meia se vê invadida por especialistas, que navegando na moda, se dizem grandes entendedores da letra e de seus mistérios, todos displicentemente expostos na Internet para quem quiser procurar.  De repente, conhecer tipos virou moda, agora todo mundo fala como se fosse o próprio Hermann Zapf em pessoa. E a maneira mais fácil de impressionar nos papos tem sido escolher uma família tipográfica e crucifica-la.  Partindo do princípio de que se você está falando de letras é por que você conhece o assunto muito bem, se você falar mal então, você conhece mais ainda.

Brush Script

     A primeira fonte a morrer no pelotão de fuzilamento do Reich do design foi a pobre Brush Script.  Depois de uma brilhante carreira servindo a todo tipo de finalidade por tantos anos, chegou a hora de malhar o Judas como recompensa pelos bons serviços prestados.  Não importa se seu ritmo é ótimo ou se sua legibilidade satistaz, se as letras são bem pintadas, o ódio pela pobre fonte se espalhou por toda parte e chegou ao clímax quando foi citado na formatura de uma turma de novos designers em uma Universidade do Rio de Janeiro. Incluiram na cerimônia de colação de grau o juramento solene de nunca mais usar a maldita Brush Script na futura vida profissional, todos com as mãos espalmadas e chapéuzinho de formando nas cabeças.  Mal agradecidos.



     A seguinte foi a Arial, era “ chic “ dizer que Arial é um lixo, uma cópia barata da Helvetica, uma fonte requentada, e por aí vai.  Mas provávelmente noventa e nove por cento das pessoas que falam mal da Arial não tem a menor idéia das diferenças entre as duas fontes. Quem comparar as duas minuciosamente, vai constatar que as diferenças são tão pequenas que o olho humano não consegue perceber durante a leitura de uma massa de texto.  Em alguns casos o desenho da Arial é até mais bonito que o da Helvetica, veja as letras R e G, sem falar no Q, todas muito próximas da excelente Univers do Mestre Frutiger, ( essa sim é moderna e mais bem
desenhada que a Hevetica ).  Diferenças mínimas como um pequeno corte horizontal ou diagonal numa letra de poucos milímetros ficam difíceis de perceber, principalmente por olhos tão pouco educados como os que furiosamente criticam a pobre Arial.  Ou será que a Microsoft iria usar uma fonte tão desprovida de virtudes ?  Pense.  Entretanto, o aspecto da criatividade é o verdadeiro problema, Arial foi uma fonte copiada da Helvetica, e copiar uma fonte não foi e nunca será uma boa solução. Por essa razão a Arial pode ser criticada, mas nunca pelo seu desempenho.  São tão pequenas as diferenças que nem vale à pena gastar mais tempo nessa polêmica.

     A outra bola da vez é a própria Helvetica, maioria sem unanimidade.  Depois de se espalhar por todos os cantos desse mundão, virou chic falar mal da velha suíça. O filme Helvetica mostra muito bem os prós e os contras dessa grande fonte, para tudo o que ela serve, serviu e servirá, ou não, como tantos designers dizem no filme.  Helvetica não é só um desenho, é o resultado de uma época, de um movimento, de uma conjunção de fatos, não vamos entrar mais nessa discussão, se você ainda não viu, veja o filme, vale à pena.  Você vai entender muito mais de Helvetica, de Helvetica e de Helvetica.

Comic Sans

     Helvetica morta, sepultada, vamos à próxima:  Comic Sans.  As pessoas xingam, amaldiçoam, praguejam, crucificam a coitada da Comic Sans sem a menor piedade. Mesmo pessoas leigas, que nunca souberam direito o que é uma fonte, já vieram me falar mal da Comic.  Existe até a facção dos defensores, os Comic Sans Defenders, que ridículo. Comic Sans é uma das fontes mais usadas nos últimos anos para todo tipo de trabalho.
Mas para falar a verdade, só quem não conhece a profissão é que usa a Comic.  Certas fontes como ela, gravitam no limbo dos principiantes e dos amadores sem muito contato com o mundo profissional.  Insistir numa fonte como a Comic Sans é muito mais uma falta de imaginação do usuário do que culpa da fonte.  Há muitas outras opções para quem trabalha com a letra. Nenhum designer que se preze usa a Comic o tempo todo, só os amadores e curiosos. Mesmo que você tente, você nunca vai conseguir usar as milhares de fontes que habitam
o HD do seu computador.
    

A onda das artes dos tipos continua bombando, e a mais recente prova desse recente sucesso é o lançamento de um livro sobre tipografia dirigido a todos os públicos além da “comunidade” especializada popularizando o assunto, não apenas só para os tipógrafos e designers especializados. Porém, alguns exageros foram cometidos no livro "Esse é o meu Tipo” do jornalista australiano Simon Garfield, Ed. Zahar 2012.  Em primeiro lugar, é louvável que um jornalista escreva um livro sobre tipos para um público mais amplo, que abrange outras profissões e preferências além do design.  Qualquer pessoa com cultura geral pode ler e entender o livro “Esse é...”, abriu-se um novo espaço para o design tipográfico.  Afinal de contas escrever é um direito de todos, além de ser um indicio claro da popularização dessa tão divertida e sofrida profissão.  O filme Helvetica é outra prova da popularidade do design e mais especificamente, da tipografia.  Agora o grande público admira, elogia e comenta essa ou aquela fonte mais jeitosa ou clara ou simplesmente simpática. Mas com a internet tudo ficou muito mais fácil.  Qualquer pessoa pode pesquisar na rede e rapidamente se considerar uma autoridade no assunto, escrevendo livros, artigos, dando palestras, mesmo sem ter tido a vivência e o manuseio da letra,  que realmente trazem o verdadeiro conhecimento, educam os olhos e clareiam o pensamento.  Simon Garfield, ( seria parente daquele gato ? ) comete alguns pecadilhos quando faz a lista das piores fontes do mundo.  Trata-se do depoimento de um interessado pesquisador sem a vivência do trabalho da tipografia.  Ele fala muito de fontes ruins,  mas não existem fontes ruins, você pode até não gostar dessa ou daquela fonte, o que existe são fontes mal usadas. A estética tem mudado tanto nos últimos cinqüenta anos que as palavras “ ruim e bom “ viraram adjetivos temporários. Os pilares da Bau Haus estremeceram todas as vezes que um Carson ou tantos outros transgrediram escancaradamente chutando a porta, praguejando, dizendo palavras ininteligíveis aos ouvidos da academia. Os trabalhos execrados ontem, hoje são aceitos, e criaram seus novos estilos apesar de toda a lógica e técnica usadas como contra argumentação.  E vai ser sempre assim, o tempo não pára.

 


   A primeira fonte detonada é a Velha Trajan, presente em nove entre dez filmes de Hollywood. Trata-se de uma fonte clássica, sem maiores problemas, que tem dado conta do recado há mais de meio século.  Garfield poderia perguntar aos desenhistas de cartazes de Hollywood o que eles viram na fonte, pois se ela é tão usada assim, como provam os cartazes dos filmes, isso me parece um indício claro de que a letra deve ser muito boa de usar.  E sua legibilidade e leiturabilidade devem ser ótimas também, e last but not least, não nos esqueçamos que em design, quantidade é qualidade também.  A Trajan tem sido usada das formas mais diferentes nesses muitos anos de atividade.  Ela se refaz.  E só para concluir, o público nunca reclamou.


    Souvenir

     Depois ele cita a  Souvenir, criada por Morris F. Benton e redesenhada por Ed Benguiat na forma atual. Essa fonte foi muito usada nos anos 1970, era uma fonte alegre, despretensiosa e leve.  Por acaso participei de um grupo de estudos em Londres no ano de 1976 que pesquisou a preferência de crianças de oito anos por essa ou aquela fonte, e a fonte escolhida pelos pequenos foi exatamentea Souvenir na forma demi bold.  Crianças são intuitivas, não tem gosto pré programado. Talvez, se analisarmos o por que dessa preferência, basta olhar para o “ A “ caixa alta, sua figura se parece com um boneco visto de frente, e as serifas os sapatinhos desse boneco.
Até hoje, quando a Souvenir é usada no contexto certo, os resultados são satisfatórios. As crianças o disseram e ninguém as sugestionou quando fizeram a escolha. 

Brush Script

     A seguir o bom Garfield fala mal da Brush Script, como não podia deixar de ser. Mas falar o que ?  A fonte, feita com pincel, é equilibrada, bem feita, bem acabada, seus encaixes são perfeitos e seu grande pecado é ser popular.  Já não existem mais grandes calígrafos especializados em pincel, novas Brush Scripts não vão mais ser desenhadas, logo logo estarão extintas, então é melhor gostar dela, que vai continuar por aí por muitos e muitos anos.

                                           Gill Sans Light Shadowed

     A próxima letra escolhida por nosso jornalista é um clássico de 90 anos atrás, Gill Sans Light Shadowed.  Para julgar essa fonte, o autor deveria ter se colocado no mesmo tempo e contexto em que a fonte foi criada.  Era uma grande novidade. Quase revolucionária.  As fontes sombreadas ainda não eram populares, Herbert Bayer também criou a sua fonte sombreada na Bau Haus, que não tinha o charme dessa fonte do grande Eric Gill, e Garfield não se lembrou de falar mal dela também.  A Gill shadowed é ícone de um momento. Apesar de Garfield ter se preocupado mais com a vida sexual de Eric Gill do que com as suas belíssimas fontes e tantas inovações nas artes da impressão, Eric Gill é o melhor da tipografia inglesa.
   
Papyrus

            

     Garfield passa então a falar muito mal da Papyrus, uma fonte mais do que normal sem maiores pretensões, decorativa, meio arranhada, sem expressão e que nem merecia estar nos papos. Talvez por que a fonte foi usada ( condensada na versão do filme ) na chanchada Hollywoodiana Avatar, mas e daí ?   Apenas mais um filme comercial bobo feito para fazer muito money.  Isso para Garfield pode querer dizer muito, mas para quem está mais focado na letra do que no faturamento do filme, não diz nada.  Afinal de contas, cada um elege o seu avatar.
Ransom Note

    
                            Neuland Inline

     A seguir nosso jornalista-gato-escritor australiano descarrega seu estranho ódio sobre duas fontes completamente desimportantes que também nem precisavam ser citadas; Ransom Note, ( quem conhece ? ) e Neuland Inline, essa até que muito bem desenhada pelo mestre do desenho Rudolf Koch, que ensinou desenho a uma geração de grandes tipógrafos. Neuland foi usada pelo designer norte americano Mike Salisbury no filme Jurassic Park.  Deu muito certo, foi reutilizada em toda a série dos Jurassis ( condensadas nas versões do filme )  E eu me pergunto: o que é que ele viu de tão ruim na Neuland ?  Ela não dá conta do recado com galhardia ?  Mestre Koch merecia mais respeito.


     A última fonte apedrejada, talvez seja a única fonte realmente estranha.  Muito tosca, quase analfabeta, quase sem curvas, a fonte dos jogos olímpicos de Londres não disse a que veio e foi embora com a Olimpíada sem deixar rastro.  Eu prefiro mil vezes a fonte da bola da última copa da África do Sul, a Jaboulani do Yomar Augusto. Mas só o tempo vai dizer se essa fonte semi analfabeta da olimpíada vingou ou não.

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     Conclusão.  Vamos parar de falar mal de tudo nesse pais.  Muda Brasil.  É feio falar mal. E principalmente de algo que você não conhece tanto assim.  Você pode estar injustamente apedrejando alguns heróis da tipografia. E por que falar mal de quem faz sucesso ?  É certo isso ? Trate a letra com mais carinho e respeito, pense um pouco mais antes de falar, trabalhe muito, eduque seu olho, nunca pare de estudar ou você acaba como o nosso felino australiano que conhece letras, mas nunca produziu nada, se supervaloriza e comete tantos absurdos.( E provavelmente se acha um grande tipógrafo ). 
Mas não engana quem conhece.

Um comentário:

  1. Site onde vc cria sua fonte.
    Scaneia e faz o upload pro site.

    http://www.yourfonts.com/upload.html

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