O mundo dos
tipólogos, tipógrafos,calígrafos, entusiastas, estudiosos, enfim, a comunidade da letra,
volta e meia
se vê invadida por especialistas, que navegando na moda, se dizem
grandes entendedores da letra e de seus mistérios, todos displicentemente expostos na
Internet para quem quiser procurar. De repente, conhecer tipos virou moda, agora
todo mundo fala como se fosse o próprio Hermann Zapf em pessoa. E a maneira
mais fácil de impressionar nos papos tem sido escolher uma família tipográfica e
crucifica-la. Partindo do princípio de que se você está falando de letras
é por que você conhece o
assunto muito bem, se você
falar mal então, você conhece mais ainda.
A primeira fonte a morrer no pelotão de fuzilamento do Reich do design foi a
pobre Brush Script.
Depois de uma brilhante carreira servindo a todo tipo de finalidade por tantos
anos, chegou a
hora de malhar o Judas como recompensa pelos bons serviços prestados. Não importa se
seu ritmo é ótimo ou se sua legibilidade satistaz, se as letras são bem
pintadas, o ódio pela
pobre fonte se espalhou por toda parte e chegou ao clímax quando foi citado
na formatura de
uma turma de novos designers em uma Universidade do Rio de Janeiro. Incluiram
na cerimônia de colação de grau o juramento solene de nunca mais usar a maldita
Brush Script na futura vida profissional, todos com as mãos espalmadas e
chapéuzinho de formando nas cabeças. Mal agradecidos.
A seguinte foi a Arial, era “ chic “ dizer que Arial é um lixo, uma cópia barata da Helvetica, uma fonte requentada, e por aí vai. Mas provávelmente noventa e nove por cento das pessoas que falam mal da Arial não tem a menor idéia das diferenças entre as duas fontes. Quem comparar as duas minuciosamente, vai constatar que as diferenças são tão pequenas que o olho humano não consegue perceber durante a leitura de uma massa de texto. Em alguns casos o desenho da Arial é até mais bonito que o da Helvetica, veja as letras R e G, sem falar no Q, todas muito próximas da excelente Univers do Mestre Frutiger, ( essa sim é moderna e mais bem
desenhada
que a Hevetica ). Diferenças mínimas como um pequeno corte horizontal ou diagonal
numa letra de poucos milímetros ficam difíceis de perceber, principalmente por olhos tão
pouco educados como os que furiosamente criticam a pobre Arial. Ou
será que a
Microsoft iria usar uma fonte tão desprovida de virtudes ? Pense.
Entretanto, o aspecto da
criatividade é o verdadeiro problema, Arial foi uma fonte copiada da Helvetica,
e copiar uma fonte não
foi e nunca será uma boa solução. Por essa razão a Arial pode ser criticada,
mas nunca pelo
seu desempenho. São tão pequenas as diferenças que nem vale à pena gastar mais
tempo nessa polêmica.
A outra bola da vez é a própria Helvetica, maioria sem
unanimidade. Depois de se espalhar
por todos os cantos desse mundão, virou chic falar mal da velha
suíça. O filme
Helvetica mostra muito bem os prós e os contras dessa grande fonte, para tudo o
que ela serve, serviu e servirá, ou não, como tantos designers dizem no
filme. Helvetica não é só um desenho, é o resultado de uma época, de um movimento,
de uma conjunção de fatos, não vamos entrar mais nessa discussão, se você
ainda não viu, veja o filme, vale à pena. Você vai entender muito mais de
Helvetica, de Helvetica e de Helvetica.
Helvetica morta, sepultada, vamos à próxima: Comic Sans. As
pessoas xingam, amaldiçoam,
praguejam, crucificam a coitada da Comic Sans sem a menor piedade. Mesmo
pessoas leigas, que nunca souberam direito o que é uma fonte, já vieram me
falar mal da
Comic. Existe até a facção dos defensores, os Comic Sans Defenders, que
ridículo. Comic Sans
é uma das fontes mais usadas nos últimos anos para todo tipo de trabalho.
Mas para
falar a verdade, só quem não conhece a profissão é que usa a Comic.
Certas fontes como ela,
gravitam no limbo dos principiantes e dos amadores sem muito contato com o
mundo profissional.
Insistir numa fonte como a Comic Sans é muito mais uma falta de imaginação do usuário do
que culpa da fonte. Há muitas outras opções para quem trabalha com a
letra. Nenhum
designer que se preze usa a Comic o tempo todo, só os amadores e curiosos. Mesmo que
você tente, você nunca vai conseguir usar as milhares de fontes que habitam
o HD do seu
computador.
A onda das
artes dos tipos continua bombando, e a mais recente prova desse recente sucesso é o
lançamento de um livro sobre tipografia dirigido a todos os públicos além da “comunidade” especializada
popularizando o assunto, não apenas só para os tipógrafos e designers
especializados. Porém,
alguns exageros foram cometidos no livro "Esse é o meu Tipo” do jornalista
australiano Simon
Garfield, Ed. Zahar 2012. Em primeiro lugar, é louvável que um jornalista
escreva um livro
sobre tipos para um público mais amplo, que abrange outras profissões e
preferências além do
design. Qualquer pessoa com cultura geral pode ler e entender o livro
“Esse é...”, abriu-se um
novo espaço para o design tipográfico. Afinal de contas escrever é um
direito de todos, além de ser
um indicio claro da popularização dessa tão divertida e sofrida
profissão. O filme Helvetica é outra
prova da popularidade do design e mais especificamente, da tipografia.
Agora o grande público admira,
elogia e comenta essa ou aquela fonte mais jeitosa ou clara ou simplesmente
simpática. Mas com a
internet tudo ficou muito mais fácil. Qualquer pessoa pode
pesquisar na rede e rapidamente se considerar
uma autoridade no assunto, escrevendo livros, artigos, dando palestras, mesmo
sem ter tido a vivência
e o manuseio da letra,
que realmente trazem o verdadeiro conhecimento, educam os olhos e clareiam
o pensamento. Simon Garfield, ( seria parente daquele gato ? ) comete
alguns pecadilhos quando faz a lista
das piores fontes do mundo. Trata-se do depoimento de um interessado
pesquisador sem a
vivência do trabalho da tipografia. Ele fala muito de fontes ruins,
mas não existem fontes ruins, você
pode até não gostar dessa ou daquela fonte, o que existe são fontes mal usadas. A estética
tem mudado tanto nos últimos cinqüenta anos que as palavras “ ruim e bom “
viraram adjetivos temporários. Os pilares
da Bau Haus estremeceram todas as vezes que um Carson ou tantos outros
transgrediram escancaradamente
chutando a porta, praguejando, dizendo palavras ininteligíveis aos ouvidos da
academia. Os
trabalhos execrados ontem, hoje são aceitos, e criaram seus novos estilos
apesar de toda a lógica e técnica
usadas como contra argumentação. E vai ser sempre assim, o tempo não
pára.
A primeira
fonte detonada é a Velha Trajan, presente em nove entre dez filmes de
Hollywood. Trata-se de
uma fonte clássica, sem maiores problemas, que tem dado conta do recado há mais de
meio século. Garfield poderia perguntar aos desenhistas de cartazes de
Hollywood o que eles
viram na fonte, pois se ela é tão usada assim, como provam os cartazes dos
filmes, isso me
parece um indício claro de que a letra deve ser muito boa de usar. E sua
legibilidade e
leiturabilidade devem ser ótimas também, e last but not least, não nos esqueçamos que em design,
quantidade é qualidade também. A Trajan tem sido usada das formas mais diferentes nesses
muitos anos de atividade. Ela se refaz. E só para concluir, o público
nunca reclamou.



Souvenir
Depois ele cita a Souvenir, criada por Morris F. Benton e redesenhada por
Ed Benguiat na forma atual. Essa fonte
foi muito usada nos anos 1970, era uma fonte alegre, despretensiosa e
leve. Por acaso participei
de um grupo de estudos em Londres no ano de 1976 que pesquisou a preferência de crianças de
oito anos por essa ou aquela fonte, e a fonte escolhida pelos pequenos foi
exatamentea Souvenir
na forma demi bold. Crianças são intuitivas, não tem gosto pré
programado. Talvez, se
analisarmos o por que dessa preferência, basta olhar para o “ A “ caixa alta, sua figura
se parece com um boneco visto de frente, e as serifas os sapatinhos desse
boneco.
Até hoje,
quando a Souvenir é usada no contexto certo, os resultados são satisfatórios. As crianças
o disseram e ninguém as sugestionou quando fizeram a escolha.
Brush
Script
A seguir o bom Garfield fala mal da Brush Script, como não podia deixar de
ser. Mas falar o
que ? A fonte, feita com pincel, é equilibrada, bem feita, bem acabada,
seus encaixes são
perfeitos e seu grande pecado é ser popular. Já não existem mais grandes
calígrafos especializados em pincel,
novas Brush Scripts não vão mais ser desenhadas, logo logo estarão extintas, então é
melhor gostar dela, que vai continuar por aí por muitos e muitos anos.
A próxima letra escolhida por nosso jornalista é um clássico de 90 anos atrás, Gill Sans
Light Shadowed. Para julgar essa fonte, o autor deveria ter se colocado no mesmo
tempo e contexto em que a fonte foi criada. Era uma grande
novidade. Quase
revolucionária. As fontes sombreadas ainda não eram populares, Herbert
Bayer também
criou a sua fonte sombreada na Bau Haus, que não tinha o charme dessa fonte do
grande Eric Gill,
e Garfield não se lembrou de falar mal dela também. A Gill shadowed é
ícone de um momento. Apesar de
Garfield ter se preocupado mais com a vida sexual de Eric Gill do que com as
suas belíssimas fontes e
tantas inovações nas artes da impressão, Eric Gill é o melhor da tipografia
inglesa.
Garfield passa então a falar muito mal da Papyrus, uma fonte mais do que normal
sem maiores
pretensões, decorativa, meio arranhada, sem expressão e que nem merecia estar
nos papos. Talvez por
que a fonte foi usada ( condensada na versão do filme ) na chanchada
Hollywoodiana Avatar, mas e daí
? Apenas mais um filme comercial bobo feito para fazer muito
money. Isso para Garfield
pode querer dizer muito, mas para quem está mais focado na letra do que no faturamento
do filme, não diz nada. Afinal de contas, cada um elege o seu avatar.
Neuland
Inline
A seguir nosso jornalista-gato-escritor australiano descarrega seu estranho
ódio sobre duas fontes
completamente desimportantes que também nem precisavam ser citadas; Ransom
Note, ( quem
conhece ? ) e Neuland Inline, essa até que muito bem desenhada pelo mestre do
desenho Rudolf
Koch, que ensinou desenho a uma geração de grandes tipógrafos. Neuland foi
usada pelo
designer norte americano Mike Salisbury no filme Jurassic Park. Deu muito
certo, foi reutilizada em toda a
série dos Jurassis ( condensadas nas versões do filme ) E eu me pergunto:
o que é que ele viu de tão ruim
na Neuland ? Ela não dá conta do recado com galhardia ? Mestre Koch
merecia mais respeito.
A última fonte apedrejada, talvez seja a única fonte realmente estranha.
Muito tosca, quase analfabeta,
quase sem curvas, a fonte dos jogos olímpicos de Londres não disse a que veio
e foi embora com a Olimpíada sem deixar rastro. Eu prefiro mil vezes a
fonte da bola da última
copa da África do Sul, a Jaboulani do Yomar Augusto. Mas só o
tempo vai dizer se essa fonte semi analfabeta da olimpíada vingou ou não.
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!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Conclusão. Vamos parar de falar mal de tudo nesse pais. Muda
Brasil. É feio falar mal. E
principalmente de algo que você não conhece tanto assim. Você pode estar
injustamente apedrejando
alguns heróis da tipografia. E por que falar mal de quem faz sucesso ? É
certo isso ? Trate a
letra com mais carinho e respeito, pense um pouco mais antes de falar, trabalhe
muito, eduque seu
olho, nunca pare de estudar ou você acaba como o nosso felino australiano que conhece
letras, mas nunca produziu nada, se supervaloriza e comete tantos
absurdos.( E
provavelmente se acha um grande tipógrafo ).
Mas não
engana quem conhece.
Site onde vc cria sua fonte.
ResponderExcluirScaneia e faz o upload pro site.
http://www.yourfonts.com/upload.html